Comportamento

A romantização da rotina: por que buscamos beleza até no trivial

Você já reparou como nos pegamos falando, às vezes secretamente, que nosso cafezinho da manhã precisa ser “bonito”, que o momento de lavar a louça deve ser um ritual ou que até o pensamento mais simples merece, se possível, uma legenda poética? Entre filtros e frases inspiradoras, romantizar a rotina virou quase um hábito coletivo. Mas o que há por trás desse impulso de procurar poesia nas coisas mais comuns?

Do ordinário ao extraordinário: uma necessidade simbólica

A psicóloga Priscila Conte Vieira parte da ideia de que viver o extraordinário no cotidiano é exercitar a sensibilidade de reconhecer significado nas pequenas coisas. Em muitos momentos, deixamos que o hábito anestesie nosso olhar. Acabamos vivendo no piloto automático, sobrevivendo aos dias úteis como se fossem apenas um obstáculo para o tão esperado final de semana chegar. Romantizar a rotina, então, é resistir à anestesia do cotidiano: é ver o que o olhar acostumado deixou escapar e devolver significado ao automático.

Mas por que aderir a romantização da rotina?

Porque precisamos de respiração estética em meio ao funcionamento mecânico da vida. Com um olhar consciente, a rotina deixa de ser mecânica e vira um santuário de “pequenos milagres”, gestos cotidianos que, mesmo discretos, transbordam sentido e afeto.

Mas esse olhar não é novo. O filósofo e educador John Dewey, em Art as Experience, defendia que a experiência estética nasce justamente da vida comum. Para ele, arte não é privilégio dos museus, mas uma forma de perceber o mundo com envolvimento e intensidade. A beleza, então, deixa de ser um atributo das coisas, e passa a ser um modo de estar nelas. É o que os teóricos chamam de estética do cotidiano: a arte que acontece quando o trivial nos atravessa.

Claro: romantizar demais pode virar fantasia dissimulada, fingimento, busca de aprovação estética, adição de sobrecarga visual ou emocional. Transformar toda xícara de café em “conteúdo bonito para rede social” pode exaurir um gesto que antes era simples.

No fundo, a romantização da rotina é um lembrete: o extraordinário não está distante, mas diluído em pequenos intervalos de consciência. Está no cheiro do café, na luz da tarde, no silêncio entre uma notificação e outra. O problema começa quando a estética substitui o sentido e o trivial deixa de ser vivido para ser exibido.

Romantizar, no melhor sentido, é atribuir presença ao que é repetitivo, é devolver alma ao que ficou funcional. Não se trata de negar o peso dos dias, mas de encontrar, entre eles, frestas de significado. Porque a rotina não precisa ser bonita,  ela só precisa ser nossa.

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Redação

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