Arquitetura: CÔMODO INCÔMODO
Quarto de empregada. Quartinho de empregada (diminutivo pseudocarinhoso). Despensa. Ateliê. Extensão da lavanderia. Quarto da bagunça. Me questiono, primeiramente como ficou esse cômodo tão incômodo pós anos noventa, com as modificações das relações de trabalho e novas formas de arranjos familiares e dinâmicas do espaço.
Sim é um terreno arenoso (com o perdão do trocadilho) o das relações domésticas de trabalho – talvez por isso o embaraço social ao se referir a esse espaço destinado a esse trabalhador/vizinho/parente. Estranho familiar. Talvez seja a hora de colocar o dedo na ferida.
Todo mundo lembra daquele espaço lá no fundo bem no fundo da casa tão comum em construções antigas. Aquele bem pra lá da cozinha, perto da porta de serviço ou até como uma espécie de edícula bem distante da Casa Grande – qualquer semelhança não é mera coincidência. Espaço, assim bem distante como forma de demonstrar uma hierarquia social – espaço marginalizado. À margem. Feito à imagem e semelhança – aí sim – à estrutura colonial.
Aquele cômodo bem pequeninho que abrigava toda uma história. Quando muito tinha até um banheirinho estilo suíte – nele continha, sobretudo uma mini bem mini pia (quase uma pia de lego), sem espelho, um chuveiro (quando tinha) que ficava bem em cima da bacia sanitária – ou da privada. Depravada. Estavam todos cagando.
No entanto no quarto cabia uma cama de solteiro e talvez um espaço para guardar roupa. Isso quando a sinhá, ops a patroa, não enchia de armário e fazia junto a despensa de comida ou apenas como destino de objetos sem valor – Marie Kondo ia ficar possessa. Entretanto sobrava uma portinha pra pertences pessoais e talvez uma parede com poster de artista para chamar aquele espaço de meu, lentamente, passo a passo – New Kids On The Block.
A sensação de desconforto ao falar sobre esse apêndice arquitetônico é generalizada. Como se todos tentassem através da língua portuguesa e de uma boa reforma, dissipar um passado tão recente e encontrar novas nomenclaturas e funções para este local – mas acontece que o apêndice supurou.
Em todos meus projetos NUNCA mais ouvi alguém chamar o dito espaço de QUARTO DE EMPREGADA. Seria isso uma boa notícia? Gosto de acreditar que sim. Que aos poucos estamos saindo dessa zona de conforto bem CÔMODA de profissionais que apenas falam de estética e das últimas tendências e estamos evoluindo para profissionais que pensam e se preocupam com o social. Sou bem otimista.
Em minhas leituras recentes me deparei com o livro da Giovana Maladosso – Suíte Tóquio. Para além de outros temas que borbulham como maternidade e seus impactos no casamento e relações de trabalho, infidelidade e a própria relação baba/mãe/patroa/filhos, ela aborda sobre esse cômodo que leva brilhantemente o nome do livro.
“Mas Maju era humilde e inocente demais para sonhar além do que Deus ou a patroa lhe oferecia. Tanto que depois que ela aceitou, senti pena dela. Para compensar, transformei aquele quarto de empregada num lugar claro, descolado e dotado de amenidades como tevê e frigobar, um quarto que poderia muito bem ser a suíte de um hotel japonês. E por isso, e para me sentir menos escravocrata, batizei o cômodo de Suíte Tóquio.” (página 27).
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