Mistérios da Estrada Real
Ainda guarda grandes mistérios a história de Minas Gerais e dos intrépidos sertanistas que, com as suas bandeiras de desbravadores, adentraram no seu interior em busca de riquezas minerais.
Nesta matéria será abordado um desses mistérios, o qual diz respeito à existência pretérita de uma estrada larga de origem milenar, que, segundo alguns pesquisadores de renome mais abaixo mencionados, teria a sua autoria surpreendentemente atribuída aos Incas e cortaria Minas Gerais de norte a sul.
Antes de mais nada, deve-se mencionar que a existência pretérita da estrada larga citada acima foi atestada por uma das primeiras crônicas coloniais referentes ao desbravamento de Minas, chamada “Itinerário de Glimmer”, incluída na obra “História Natural do Brasil”, numa edição publicada na Holanda em 1648 por George Marcgraff.
Atesta claramente a existência pretérita de tal estrada larga a referida crônica colonial escrita pelo mineralogista holandês Wilhelm Glimmer, que acompanhou a expedição patrocinada por Dom Francisco de Souza, então governador-geral do Brasil, liderada pelo sertanista André de Leão em 1601.
Segundo Glimmer, logo após a bandeira de desbravadores de que fazia parte transpor a Serra da Mantiqueira, essa incrivelmente encontrou “uma estrada larga e muito bem trilhada”, pela qual caminhou até chegar aos arredores da região correspondente à atual Pitangui.
Por incrível que possa parecer, a origem e a autoria dessa estrada larga permanecem incógnitas, constituindo um intrincado enigma para os historiadores. Por conseguinte, o fato desse enigma permanecer sem resolução, dá margem a hipóteses ainda sem comprovação científica, como aquela que atribui sua autoria aos Incas.
Não obstante, a imensa maioria dos historiadores especializados em caminhos antigos desconhece o fato de que essa estrada larga já existia muito antes dos bandeirantes penetrarem os sertões de Minas e criarem nesse estado os primeiros arraiais e freguesias, o que contribui para que esse enigma permaneça sem solução definitiva.
Essa misteriosa estrada larga de origem pré-histórica descrita por Glimmer seguia um itinerário que correspondia parcialmente ao do Caminho Velho do Ouro e ao Caminho dos Diamantes da Estrada Real, além de provavelmente abarcar ramais de outras vias antigas, como o Caminho de Joá e o Caminho Geral do Sertão.
Segundo o já falecido grande escritor e historiador Luiz Galdino, considerado uma das maiores autoridades de nosso país no estudo de caminhos antigos, a estrada larga pré-histórica a que se referia tal crônica colonial, provavelmente extrapolava os limites geográficos atuais de Minas, rumando em direção ao Nordeste e ao Sul do Brasil.
É preciso salientar que a estrada larga a que se refere Luiz Galdino não pode ser confundida com as trilhas feitas exclusivamente por indígenas brasileiros, sendo que, segundo o referido autor, essas comumente eram veredas estreitas que permitiam somente a caminhada em fila indiana, e não estradas largas.
Por essa razão, parece pouco provável que a autoria da referida estrada larga seja atribuída exclusivamente aos indígenas brasileiros, ainda que essa possibilidade não possa ser descartada.
Por outro lado, quanto a possibilidade de ter sido essa estrada aberta por um grupo de bandeirantes, pode-se concluir que deve ser considerada nula.
Para chegar a essa conclusão, é preciso levar em conta que as referências históricas sobre a primeira bandeira a desbravar Minas, realizada por Brás Cubas em 1561, deixam clara a prévia existência de tal caminho quando mencionam que seus membros o trilharam até chegarem ao rio São Francisco.
Além disso, as referências históricas sobre a bandeira de Brás Cubas em nenhum momento fazem alusão à abertura de uma estrada larga por seus membros, deixando claro que esses apenas trilharam por um caminho antigo previamente existente.
Considerando que o roteiro de Brás Cubas coincidia parcialmente com o itinerário percorrido por Glimmer, pode-se deduzir, por meio do estudo comparativo entre a rota de ambos, que o primeiro adentrou na estrada larga pelo segundo trilhada em algum ponto do Sul de Minas.
Ao que tudo indica, esse ponto se situava na atual região de Cruzília, onde havia um entroncamento entre o antigo Caminho do Joá e a trilha dos Guanás, a qual correspondia a parte do Caminho Velho do Ouro.
Para descartar de forma definitiva a possibilidade de ter aberto a referida estrada larga uma das duas únicas bandeiras que desbravaram Minas Gerais antes da expedição de Glimmer, faz-se necessário expor mais um argumento.
Este argumento consiste no fato de que, com os recursos existentes naquela época e com o pequeno contingente à disposição dessas duas bandeiras, demoraria muitos e muitos anos, ou talvez mais de uma década, a realização de uma obra de engenharia que transformasse uma trilha indígena estreita numa estrada larga de imensa extensão.
Diante dos argumentos acima mencionados, por certo inexiste qualquer possibilidade de a autoria dessa estrada ser atribuída às duas únicas bandeiras que desbravaram Minas antes daquela de André de Leão e de Glimmer, sendo que a de Brás Cubas (1561) e a de Martim Corrêa de Sá (1597), permaneceram no sertão apenas por alguns meses, mostrando-se impossível que pudessem abrir uma estrada larga de grande extensão em tão curto período de tempo.
Se não foram exclusivamente os indígenas brasileiros nem os bandeirantes os construtores dessa estrada larga, quem a teria construído? É nesse ponto que o leitor se depara com um intrincado enigma, pois a resposta a essa pergunta continua em aberto, de forma a permitir hipóteses polêmicas, que, à primeira vista, podem aparentar possuir um alto grau de excentricidade.
Por mais que possa parecer pouco razoável aos mais céticos, a provável resposta a pergunta feita acima remete aos Incas, segundo autoridades reconhecidas nos campos relacionados, como os renomados escritores e historiadores Luiz Galdino e Hernâni Donato, que lideraram o Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, tido como uma das mais antigas e conceituadas instituições de pesquisa do Brasil nessas disciplinas.
Entre outros, defende também essa hipótese o conceituado arqueólogo peruano especialista em caminhos andinos Dr. Alfredo José Altamirano, um dos maiores pesquisadores da Universidad Nacional Mayor de San Marcos, que já residiu e pesquisou no Brasil.
Segundo esses autores, os Incas ou pré-incas teriam aberto a referida estrada larga, provavelmente com a colaboração de uma ou mais etnias de indígenas locais, sendo seus fins estabelecer rotas para a extração de minerais preciosos, além de comércio de trocas e de um complexo sistema correios que permitia a intercomunicação entre diversas etnias, chamado pelos Guaranis de Parejhara.
Posto que a referida resposta possa de antemão parecer constituir uma hipótese bastante excêntrica, se o leitor analisar os argumentos que a sustentam, verá que essa possui certa lógica.
Afinal, um desses argumentos consiste no fato de que, como os próprios nomes do Caminho Velho do Ouro e do Caminho dos Diamantes sugerem, essa estrada de que trata Glimmer atingia em cheio as regiões que possuíam os maiores depósitos de ouro ,assim como os de gemas preciosas e semipreciosas de Minas Gerais, o que dificilmente seria obra do mero acaso.
Mostra-se, por conseguinte, mais sensato pensar que tal estrada tenha sido construída intencionalmente com a finalidade de alcançar tais depósitos do que acreditar ser resultado de uma mera coincidência o fato dessa atingi-los em cheio.
Com efeito, se a imensa maioria dos indígenas brasileiros não tinha nenhum interesse pelo ouro ou por gemas preciosas, não faria sentido eles despenderem tamanho esforço para construir uma estrada larga que visasse atingir tais depósitos.
Sendo assim, o esforço de abrir essa estrada só seria justificado se tal tarefa fosse realizada para fins comerciais, conjuntamente com uma civilização andina.
Desse modo, é possível que tal tarefa tenha sido realizada por etnias brasileiras com a colaboração dos Incas.
Diante do que foi mencionado acima, não parece absurda a hipótese de que a idealização e a construção de tal estrada sejam atribuídas àquela civilização andina de alto avanço técnico ,que dominava a metalurgia, com a qual ,ao que tudo indica, diversas etnias indígenas brasileiras realizavam escambos.
Além dos especialistas mais acima mencionados, diversos outros pesquisadores de renome defendem ser de autoria Inca o caminho sulista do Peabiru, o que até certo ponto permite supor que a estrada da qual trata Glimmer igualmente o seja.
Corrobora essa suposição o fato de que traçado do Peabiru interceptava na atual cidade de São Paulo o referido Caminho do Joá, tendo havido nessa região um entroncamento entre ambos.
Sendo assim, se for considerado que ambos os caminhos se interceptavam, é provável que esses sejam atribuídos à mesma autoria, de modo a constituírem um sistema viário pré-histórico, mostrando-se a hipótese que atribui a esses a mesma autoria mais coerente.
Fundamenta também a hipótese que atribui a mesma autoria a ambos os caminhos mencionados acima o fato de que o Caminho do Peabiru era constituído por uma estrada larga, e não por uma mera trilha, assim como o caminho ao qual Glimmer se referia.
De resto, é preciso ter em vista que o pesquisador Luiz Galdino localizou vestígios de vias antigas idênticos aos do caminho sulista do Peabiru na região de Mairiporã e Atibaia, que faziam parte do itinerário do antigo Caminho do Joá, relativamente próximos à região em que Glimmer adentrou na referida estrada larga.
Levando em questão o que foi aqui mencionado, pode-se inferir que seja bastante lógica a hipótese que atribui a mesma autoria a ambos os caminhos antigos acima tratados, não aparentando ser essa excêntrica, muito menos descabida. Ainda assim, deve-se frisar que apenas futuras pesquisas arqueológicas aprofundadas podem comprovar tal hipótese definitivamente.
Concluindo, é preciso que as autoridades competentes de Minas Gerais fomentem a realização de pesquisas arqueológicas nos sítios relacionados, assim como o levantamento e o registro desses, visando não permitir que permaneçam em situação de vulnerabilidade. Faz-se necessário que Minas Gerais siga o exemplo dos estados do Sul do Brasil em relação ao tratamento dado às reminiscências do Caminho Peabiru.
É urgente que esse estado implemente, assim como os estados do Sul do Brasil estão fazendo em relação ao Peabiru, projetos de restauração e proteção dos resquícios arqueológicos da estrada de origem milenar que passava por Minas Gerais, da qual tratou essa matéria.
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