Autocuidado realista: como se cuidar mesmo em dias difíceis
A ideia de cuidar de si mesmo ganhou espaço nos últimos anos, mas junto com ela veio um problema: o excesso de expectativa. Além disso, o autocuidado passou a ser apresentado como um ritual perfeito — skincare completo, yoga ao nascer do sol, journaling impecável, refeições coloridas e uma paz quase inalcançável. Mas e quando o dia está difícil? Quando tudo o que você tem é um intervalo entre demandas ou um cansaço que mal permite levantar da cama? É aí que entra o autocuidado realista.

Autocuidado realista é aquele que se adapta, não o que exige. Por isso, ele reconhece que nem sempre será possível fazer tudo, mas sempre será possível fazer algo — mesmo que pequeno. E, mais do que isso, entende que o autocuidado não é sobre produtividade pessoal disfarçada, mas sobre criar espaço interno para continuar existindo com dignidade, mesmo em meio ao caos.
Esse tipo de abordagem tem ganhado força porque responde à vida como ela é: corrida, instável, cheia de altos e baixos. Por consequência, o que você encontrará a seguir são formas de se cuidar mesmo quando parecer que não há tempo, energia ou motivação. Porque justamente nesses dias difíceis, o cuidado se faz ainda mais necessário.
O que é autocuidado realista?
Autocuidado realista é uma prática que reconhece as limitações da vida cotidiana. Ainda assim, ele não exige grandes rituais ou investimentos, mas sim decisões pequenas e consistentes que respeitam o momento atual. Em vez de uma lista idealizada de hábitos, ele propõe escuta interna: o que eu consigo fazer hoje, com o que eu tenho agora?
Esse tipo de autocuidado propõe, por exemplo, tomar um banho demorado quando não for possível meditar, ou escutar uma música favorita quando não se conseguir escrever no diário. Além disso, é saber que chorar também é cuidado, e que dizer “não” pode ser mais nutritivo do que tentar agradar.
Ao focar em ações simples e acessíveis, o autocuidado realista amplia a inclusão. Pessoas com rotina apertada, com filhos, em situação de vulnerabilidade ou lidando com doenças emocionais também conseguem encontrar brechas para se olhar com mais gentileza. E isso é transformador.
Por que o autocuidado idealizado pode ser um problema?
O problema do autocuidado idealizado é que ele cria mais uma lista de exigências. Como resultado, ele transforma aquilo que deveria aliviar a pressão em mais uma fonte de culpa. A pessoa já está cansada, sem tempo ou sem energia — e ainda se sente fracassando por não conseguir seguir a rotina dos “influencers do bem-estar”.
Além disso, muitas práticas de autocuidado foram capturadas pelo marketing. Cremes, cursos, spas, produtos… Tudo parece necessário para se cuidar. Mas, na essência, o autocuidado nasceu como um ato político de preservação da saúde mental, especialmente em contextos de opressão. Portanto, resgatar essa origem é essencial para torná-lo mais verdadeiro e acessível.
Ao propor metas inalcançáveis, o autocuidado idealizado exclui. Já o realista inclui. Ele acolhe o dia difícil, o corpo cansado, a mente confusa. E convida a fazer algo possível — e isso, por si só, já é muito.
Sinais de que você precisa de autocuidado (e não percebe)
Muitas vezes, a vida vai empurrando com tanta força que nem percebemos quando o cuidado ficou para trás. Nesse sentido, alguns sinais de que é hora de parar e olhar para si incluem:
- Irritabilidade constante com pequenas coisas
- Sensação de estar sempre correndo atrás, sem alcançar
- Corpo cansado, mas mente agitada
- Dificuldade de dormir ou sono não restaurador
- Falta de prazer nas atividades que antes eram prazerosas
- Esquecimento frequente ou dificuldade de foco
- Choro fácil ou sensação de “vazio sem motivo”
- Falta de paciência com quem você ama
Esses sinais não são falhas, mas alertas. Portanto, o corpo e a mente estão pedindo pausa, escuta e presença. E essa escuta não precisa ser complexa — ela pode começar com um simples “como estou me sentindo agora?”. Esse tipo de pausa já é um ato de autocuidado.
Como praticar o autocuidado realista na rotina
A boa notícia é que o autocuidado realista não exige mudanças radicais. Ao contrário, ele pode começar com microescolhas diárias. Veja algumas sugestões:
1. Cuide do corpo sem pressa
Respirar fundo antes de sair da cama. Esticar os braços. Tomar um copo de água com calma. Comer algo que te sustente. Além disso, esses pequenos gestos reconectam você ao corpo e à realidade.
2. Reduza as expectativas
Não precisa fazer tudo hoje. Como alternativa, escolha uma ação que traga bem-estar e foque nela. Pode ser ouvir uma música, mandar uma mensagem para alguém querido ou simplesmente se permitir ficar em silêncio por cinco minutos.
3. Encontre um ritual acessível
Escolha um ritual que se encaixe no seu tempo real. Um banho quente com uma toalha macia, uma caminhada curta, passar um creme com atenção. Portanto, isso ajuda a sinalizar para o cérebro que você se importa consigo mesmo.
4. Nomeie o que sente
Colocar em palavras o que está passando pode aliviar. Pode ser escrevendo, falando sozinho ou conversando com alguém. Por consequência, o nome da emoção tira parte do peso do peito.
5. Priorize o descanso verdadeiro
Não se trata apenas de dormir, mas de descansar. Pode ser fechar os olhos por 10 minutos, não pegar no celular por uma hora, ou simplesmente deixar algo para amanhã — e aceitar que isso é suficiente.
Esses pequenos atos, quando feitos com presença, têm efeito acumulativo. Dessa forma, eles constroem um espaço interno mais seguro, mesmo quando o externo está caótico.
Cuidar de si não é egoísmo
Muita gente sente culpa por se cuidar. No entanto, acredita que precisa dar conta de tudo primeiro, que se colocar como prioridade é sinal de egoísmo. Mas a verdade é que ninguém consegue sustentar os outros se estiver vazio por dentro.
O autocuidado realista ensina que cuidar de si é um ato de generosidade. Assim, você se fortalece para estar presente com mais inteireza. Não é sobre se colocar acima dos outros, mas sobre se colocar também.
Além disso, a forma como você se trata cria um modelo interno de valor. Quando você se acolhe, ensina o mundo a te acolher também. Quando se respeita, mostra ao outro como quer ser tratado. Isso transforma vínculos, decisões e caminhos.
O papel da autocompaixão nos dias difíceis
Nos dias em que tudo parece desabar, a autocompaixão é o solo seguro. Em vez de se cobrar mais, você se acolhe. Em vez de se criticar, você se escuta. Como mostra o conteúdo sobre autenticidade como autocuidado, ser verdadeiro com o que se sente é parte essencial do processo.
A autocompaixão não nega a dor, mas também não a amplifica. Ou seja, ela diz: “está difícil, e tudo bem”. Essa voz interna, mais gentil, tem o poder de reverter quadros de exaustão, fortalecer a resiliência e devolver o fôlego.
A pesquisadora Kristin Neff, referência global no tema, afirma que pessoas autocompassivas têm mais motivação, equilíbrio emocional e capacidade de lidar com adversidades. Por isso, incluir a autocompaixão no autocuidado é essencial para que ele funcione mesmo em tempos nublados .
Um gesto por vez, um dia por vez
Se você sente que está fazendo pouco, lembre-se: regar uma planta com uma gota por dia ainda é cuidado. Nesse sentido, o que transforma não é a intensidade, mas a constância. E a constância só é possível quando a prática é leve, acessível e real.
Em dias difíceis, você não precisa vencer o mundo. Em vez disso, só precisa não se abandonar. O autocuidado realista não exige versões melhores de você, apenas uma disposição para se acolher no caminho. Um banho mais demorado, um prato de comida quente, um travesseiro limpo, uma pausa de cinco minutos — tudo isso vale.
O autocuidado que funciona é aquele que cabe na sua vida, não o que tenta mudar você para caber numa rotina idealizada. Ele é feito de humanidade, e não de perfeição.
** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Portal UAI.