No mundo corporativo, algumas expressões se popularizaram e hoje vou falar sobre uma delas. Frequentemente você já deve ter escutado em alguma reunião a expressão “fruta baixa” (low-hanging fruit) ou algo do tipo “vamos começar pelo mais fácil”. Parece lógico, prático, até eficiente. Mas a realidade é mais dura: se mal aplicada, essa lógica pode ser o atalho mais rápido para a complacência e até para a obsolescência da organização.
Fruta Baixa não é Vitória Rápida
A confusão entre “fruta baixa” e “vitória rápida” é comum, mas perigosa.
- Fruta Baixa (Low-Hanging Fruit) → Tarefas de menor esforço, independentemente do impacto.
- Vitória Rápida (Quick Win) → Tarefas de baixo esforço com alto impacto, que realmente movem o ponteiro do negócio.
Uma pesquisa da Product School aponta que times que diferenciam corretamente os dois conceitos aumentam em 40% a efetividade de seus sprints ágeis. Já equipes que confundem os termos gastam até 30% do tempo em tarefas triviais, sem contribuição real para os objetivos de longo prazo.
A primeira lição é clara: nem tudo que é fácil gera valor.
O Poder Psicológico do Progresso
E não se trata apenas de estratégia, mas também de psicologia: nosso cérebro reage de forma poderosa às pequenas vitórias.
Segundo o estudo de Teresa Amabile e Steven Kramer (Harvard Business School), o fator mais importante para a motivação no trabalho é o progresso diário em algo significativo. Em 76% dos melhores dias de seus participantes, o avanço — mesmo que pequeno — foi o elemento central.
- Pequenas vitórias aumentam engajamento, confiança e criatividade.
- Pequenas derrotas têm efeito 2 a 3 vezes mais negativo que o impacto positivo de uma vitória.
Por isso, precisamos criar cenários de progresso contínuo, mas também blindar as equipes contra derrotas desnecessárias.
Quando Colher Frutas Baixas Faz Sentido
Se a teoria fosse totalmente ruim, ela não teria se popularizado. Há contextos em que colher frutas baixas faz sentido. Para ficar mais claro, alguns exemplos práticos:
Marketing Digital
- Alterar o texto de um botão de CTA aumentou a taxa de cliques em +50% em testes da HubSpot.
- E-mails enviados com o nome de uma pessoa no remetente (em vez do nome da empresa) aumentaram cliques em +30%.
SEO
- Focar em palavras-chave de baixa concorrência gera tráfego qualificado com investimento mínimo. Ferramentas como Google Search Console ou Semrush apontam que esse tipo de otimização pode gerar aumentos de até 40% no tráfego orgânico em três meses.
Startups
- Uma funcionalidade simples e de fácil implementação pode ser suficiente para validar mercado e atrair investidores.
- Ajustes no fluxo de trabalho, como reorganizar etapas, já renderam a empresas economias de milhares de horas de trabalho ao ano.
Esses são os verdadeiros quick wins: baixo esforço, mas impacto real.
Os Riscos da Simplicidade Excessiva
Mas nem sempre o mais fácil gera resultados sustentáveis. Existe um preço oculto na simplicidade excessiva:
- Miopia Estratégica
- Resolver apenas o superficial (“pintar a porta”) enquanto a estrutura estratégica permanece comprometida.
- Complacência Tecnológica
- Tarefas fáceis são as primeiras a serem automatizadas pela IA.
- Exemplo: na advocacia, tarefas repetitivas de análise de contratos já são automatizadas, reduzindo em 60% o tempo de execução.
- Retornos Decrescentes
- O estoque de frutas baixas não é infinito.
- Sem preparo para complexidade, a equipe fica travada quando os desafios reais chegam.
Um relatório da Esri (2023) chama isso de “o alto custo da fruta baixa”: organizações que focam demais no simples perdem competitividade quando o jogo muda.
O Caminho Correto
Então, como aplicar a teoria de forma saudável?
- Matriz Esforço x Impacto → Priorize tarefas que estejam no quadrante Alto Impacto / Baixo Esforço.
- Cultura de Equilíbrio → Celebre vitórias rápidas, mas nunca perca a visão de longo prazo.
- Afie o Machado → Dedique tempo a treinar o time em problemas complexos. A metáfora de “afiar o machado” lembra que habilidades enferrujam quando só se lida com o simples.
A fruta baixa deve ser catalisador, não destino.
Conclusão
A fruta baixa pode ser doce — mas também pode estar verde, ou bichada.
O papel do líder é saber quando colher o fácil para gerar tração e quando direcionar a energia para construir a escada que leva aos frutos mais altos.
O futuro não pertence aos que colecionam tarefas fáceis, mas aos que transformam vitórias rápidas em combustível para os projetos de impacto real.
** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Portal UAI.
